Minha infância e adolescência foram profundamente influenciadas pelos valores da educação religiosa, aprendidos e postos em prática no ambiente familiar, na catequese, nas missas e nas diversas estruturas e da Igreja Católica, ao tempo existentes, sobretudo em São Domingos, Ilha de Santiago, meu torrão natal.
Tendo aprendido na família os rudimentos da religião e as primeiras orações, desde que me lembre, seguia, invariavelmente, o mesmo ritual que consistia em iniciar o dia com o "sinal da cruz" e uma breve oração, a que seguiam, à laia de cumprimentos, os pedidos de bênção aos meus pais, que mos concediam piedosamente:
- Deus te dê juízo e te acompanhe! - dizia, por vezes, o papá;
- Deus te abençoe e te guarde! - dizia, outras vezes, a Djodjó, minha mãe.
À mesa, antes de iniciarmos as refeições, era também hábito, lá em casa, uma breve prece, em que o pai ou a mãe agradecia a Deus e Lhe pedia que abençoasse os alimentos que iam ser servidos.
À noite, momentos antes de me recolher, em geral mais cedo do que os pais, fazia uma breve oração e, em seguida, desejava boa noite aos país, que correspondiam, acrescentando:
- Anjo da tua guarda te acompanhe!
- Deus te ilumine o caminho e te ajude !
Minha irmã, a Branca, mais nova, seguia na família os mesmos rituais e, tal como eu, aprendia os valores do amor a Deus e ao próximo, do respeito aos pais e aos mais velhos, da verdade e da bondade, etc.
O aprofundamento dos conhecimentos religiosos tinha lugar na catequese, a cargo de catequistas, normalmente pessoas que tinham frequentado a instrução primária e possuíam conhecimentos básicos da doutrina cristã, das diversas orações e dos rituais e valores católicos, que nos transmitiam com mestria, muita paciência, ainda que, por vezes, com o auxílio de alguns castigos físicos, ao estilo da educação tradicional.
A catequese preparou-me para participar adequadamente nas missas de domingo e, em particular, para receber os meus primeiros sacramentos - a confissão e a comunhão -, o que aconteceu na Igreja de São Domingos, quando
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Igreja de São Domingos |
tinha sete anos! Lembro-me bem de ter ido à missa da primeira comunhão trajado de branco, como os demais colegas: calças compridas, camisa de mangas longas e sandálias brancas em plástico, estas últimas tão em voga na altura, sobretudo no seio das gentes mais humildes!
Após o sacramento do Crisma, e tendo já feito a 4ª classe do ensino primário, idealizei ser sacerdote, tendo, para o efeito, projetado continuar os estudos no Seminário de São José, na Praia! Meu Deus, como eu admirava os pequenos seminaristas de São Domingos, como o Isidoro e o Iate, quando, nas suas férias, tomavam parte nas missas de domingo, vestidos de fato e aparentando um ar celestial que os tornavam, aos meus olhos, seres especiais, mais próximos de Deus! Cheguei a apresentar-me no Seminário de São José para iniciar a formação, mas tive de desistir desse intento, admitindo, desde logo, que havia outras formas de me realizar como cristão e católico!
Assim, e porque ia evoluindo nos estudos, como aluno aplicado, a partir dos doze anos, fui incumbido de sucessivas responsabilidades na Igreja, como as de acólito (a quem incumbia assistir os padres no ofício da missa), ajudante de sacristão (função desempenhada durante largos anos pelo Pereira, também professor da escola paroquial), leitor das Escrituras, membro e presidente da Pré-JAC (uma espécie de "organização de pioneiros" da Juventude Católica), membro da Legião de Maria, catequista, membro e presidente da Juventude Católica, tendo, outrossim, participado em outras atividades organizadas no âmbito da Igreja, como as do grupo Coral, do grupo de Teatro e do primeiro Agrupamento Escutista de Cabo Verde, que contribuíram, de forma marcante, para a inovação da vida religiosa em São Domingos! Cabe, neste particular, salientar o papel de relevo desempenhado pelo Padre Firmino e por outras figuras da cultura, em São Domingos, como o Ano Novo e a Maria Alice! Graças a eles, a Igreja tornou-se mais jovem, mais alegre, mais atrativa e mais dinâmica!
Não é propósito deste post entrar em detalhe sobre o meu percurso religioso (talvez volte ao assunto em outro momento). Resumindo esse percurso, um pouco antes do meu primeiro casamento, quando tinha apenas 21 anos, era já em mim forte a convicção de que, mais do que a observância formal das prescrições e dos rituais religiosos, o mais importante e mais difícil é assumir e pôr em prática, de forma consciente e consequente, os princípios e valores essenciais da religião e da moral religiosas, que podem resumir-se no Amor e na Fraternidade e no Cultivo do Bem. Na verdade, que(m) é Deus senão a expressão suprema do Amor e do Bem?
Enfim, tais valores, que aprendi no berço familiar e se consolidaram nas atividades da Igreja, continuaram, ao longo dos anos, e até ao momento (em que sou, assumidamente, menos ritualista), a servir de referência na minha postura perante a vida, tanto nos planos pessoal e familiar como nos da vida cívica, profissional e social.