Em Cabo Verde, a falta e a irregularidade das chuvas são abundantemente descritas em páginas da História do arquipélago, que igualmente dão conta das crises agrícolas e mortandades decorrentes desse fenômeno.
Mas quando chove razoavelmente, o arquipélago sofre uma grande metamorfose, não só na paisagem, que se torna verdejante, mas também na economia e na vida dos cabo-verdianos.
Daí que a queda da Chuva seja, em geral, tão alegremente recebida pelos cabo-verdianos, a ponto de a considerarem "Chuva Amiga", como escreveu Amilcar Cabral.
Acontece que a queda irregular das chuvas ocorre não só em termos de variação no tempo mas também no que tange à precipitação no espaço. Neste último quesito, a desigual distribuição espacial da Chuva apresenta, por vezes, contornos engraçados.
Exemplifico com um caso ocorrido comigo há muitos anos.
Certa vez, à porta da Farmácia Africana, com medicamentos recém-comprados na mão, esperava eu que deixasse de chover, a fim de passar para o outro lado da Avenida Amílcar Cabral, onde deveria apanhar o autocarro, rumo à Achada Santo António.
Nisto, uma moça, que se encontrava na paragem do autocarro, ao lado da então Casa D. Celina Vasconcelos, grita para mim:
-Hei, mos, ben pa li, txuba ka sta txobi li nau.
-Modi? - indaguei, incrédulo.
-Ben, mos! Ala otokaru ta ben!
Hesitei. Olhei para ela, que não estava encharcada, e, zás, corri para o outro lado, quase sem me molhar. Ela não tinha mentido: o outro lado da rua estava seco!
- N-ka fla-ba bo? - diz-me a miúda.
- Verdadi go, obrigadu! - respondo eu, com um largo sorriso de incredulidade.
Apanhei tranquilamente o autocarro e, sentado no lado esquerdo do veículo, pude apreciar esse fenómeno engraçado: chovia na metade da Avenida e a outra permanecia seca.
Praia, 13 de outubro de 2024.
Bartolomeu Varela