terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Eu e a Política



A minha relação com a Política foi inicialmente caracterizada pelo receio e um certo medo. Ainda garoto, com os meus seis anos, ouvia falar de Políticos como sendo de gente conflituosa, de tal sorte que apelidar uma pessoa de político era quase o mesmo que insultá-la.
Amílcar Cabral
Quando tinha cerca de doze anos, em círculos de amigos da minha idade e, mesmo, de adultos, ouvi falar de Amílcar Cabral, através de uma série de histórias lendárias, em que ele, classificado de político subversivo e "contra a Nação" (leia-se contra a Pátria portuguesa), conseguia, alegadamente, ludibriar a polícia secreta portuguesa (a PIDE), saindo, magicamente, de alegadas ciladas que lhe montavam quando aparecia em vários pontos da Ilha de Santiago, vindo da Guiné, para visitar parentes, combatentes... Nessas lendas, que na altura nos pareciam ser histórias verídicas e incontestáveis, Cabral aparecia para nós como um herói mágico que tinha a arte de enganar os "tugas". Essas conversas, em sussurro algo conspiratório, eram suspensas bruscamente, com a mudança improvisada de assunto, à passagem de alguma pessoa considerada suspeita ou tida como ligada à PIDE. E alertava-se aos circunstantes: "Caluda, ele é espião!" Ou então: "Cuidado, que ele é informador da PIDE!" Essas pessoas eram encaradas com um misto de receio e desprezo, evitando-se, por isso, contactos com as mesmas.
Tinha talvez os meus quinze anos quando, numa dessas conversas, um dos adultos, o Honorato, me falou, ao ouvido, da Rádio Libertação, onde se podia saber tudo sobre Cabral e a Luta. Curioso, pergunto: "Que tipo de Luta"? Então, de modo confuso, fiquei a saber da existência de uma Luta de Libertação nas matas da Guiné, dos combatentes, da luta clandestina em Cabo Verde, de alguns presos políticos. Foi ainda através do Honorato que, mais tarde, vim a saber que um conhecido filho de São Domingos, da Ilha de Santiago, donde sou natural, era um preso político: "Olha, o Filinto foi preso porque fazia luta clandestina!"
Bem, a partir dessas conversas, a curiosidade, aliada à cautela, leva-me a procurar um aparelho de rádio, que obtive por empréstimo do vizinho Tchontcha, pois que em casa não havia ainda esse instrumento de comunicação. Pude acompanhar várias emissões da Rádio Libertação e, algumas vezes, escutei, com emoção, extractos de mensagens de Cabral dirigidas aos combatentes e ao povo da Guiné e de Cabo Verde.
Comecei a fazer uma ideia menos fantasiosa de Cabral, ainda que mais heroica e porventura mais mítica dele, e a adquirir um conceito mais acertado de Política, como uma actividade que visava o bem da nossa terra e do nosso povo, ainda que se me apresentasse, inicialmente, na sua vertente essencialmente subversiva.
Os tempos de estudante na Escola de Habilitação de Professores (EHP), na Variante, foram frutíferos em termos de aprendizagem de rudimentos da política, não propriamente através da leitura de livros, mas de conversas informais entre estudantes, alguns dos quais estavam sempre a par de notícias mais ou menos frescas sobre a luta de libertação nacional, Cabral, presos políticos, informadores da PIDE (alguns dos quais professores da escola), etc.

E, assim, quando andava no quarto ano da Escola da Variante, eu era, convicta e secretamente, um "simpatizante" de Cabral, razão por que foi com enorme tristeza, mas também com incredibilidade, que soube da notícia do seu assassinato. Na verdade, acabei ficando com a secreta esperança de que Cabral não morrera, sobretudo quando um dia um colega me deu a conhecer um panfleto em que se podia ler "Kabral ka Mori", expressão que também vim a ouvir de uma ou outra emissão da Rádio Libertação, que, entretanto, deixara de ouvir com a frequência habitual desde o dia em que certo comerciante de São Domingos, com um ar muito sério, foi falar com a minha mãe, alertando-a de que eu tinha de tomar cuidado, pois suspeitava-se de que ouvia as emissões dessa "rádio que fala contra a Nação"!

Enquanto melhor aluno da EHP, eu tinha o direito de discursar na cerimónia solene da investidura como professor diplomado, mas declinei o convite, justificando-me com o facto de que não tinha tempo para preparar o discurso, já que tinha de preparar aulas (na verdade, tendo sido dos primeiros a concluir o curso, fui, logo a seguir, indigitado para substituir uma das minhas professoras, que leccionava uma quarta classe em São Domingos), mas foi um pretexto que arranjei a fim de não ser obrigado a fazer um discurso de louvor à Pátria portuguesa!...
Não obstante, juntamente com outros estudantes cabo-verdianos, fui premiado, após o curso, com uma visita a Portugal, para onde convergiram estudantes de outras províncias ultramarinas. O convívio com estudantes portugueses e das colónias foi excelente, tendo-me marcado o contacto com um deles, creio que de Timor, que não conseguia esconder a sua condição de anti-colonialista.

Soube mais tarde que, apesar de ser uma pessoa discreta, as minhas atitudes enquanto estudante nada subserviente, os meus contactos com pessoas consideradas "pouco recomendáveis" (em Cabo Verde e em Portugal) tinham-me referenciado como alguém que deveria ser mantido sob "observação". Daí que, como me alertou o próprio colega indigitado para me "seguir", fui nomeado para trabalhar na Brava como professor, director da Escola Central Sena Barcelos e delegado escolar, não tanto como prémio, mas também como medida de prevenção. O professor incumbido de "informar" a PIDE a meu respeito era, porém, um grande amigo, pelo que me alertou, em confidência, no sentido de tomar as devidas cautelas, nomeadamente com certas autoridades da ilha.

Isso não impediu que eu fosse alvo de um inquérito, de que saí ilibado de qualquer infracção, antes elogiado, por ter injustificado as faltas dadas por alguns professores que, sem minha autorização, faltaram a aulas para participarem num acto de homenagem a uma figura destacada do colonial-fascismo português, para que foram convidados pelo Administrador do concelho, o qual se "esqueceu", no entanto, de me convidar para o acto ou, ao menos, de pedir-me que, enquanto Delegado Escolar, concedesse dispensa de serviço a tais professores.
Segundo soube, o Chefão da ilha ficou desgostoso com o desfecho da queixa, por ele apresentada, prometendo que me iria "apanhar um dia desses". Só que esse dia não apareceria jamais, pois que, menos de dois meses depois, acontece o 25 de Abril, a chamada Revolução dos Cravos, em Portugal, que inaugura uma etapa nova na minha relação com a Política, marcada por uma intensa militância política e cívica em prol da Independência, do Progresso e da Democracia em Cabo Verde.

Sem ter, jamais, abandonado a minha grande paixão, que foi e é a Educação, estive, assim, durante cerca de doze anos, na chamada política activa, desempenhando diversos cargos e responsabilidades, nomeadamente enquanto dirigente partidário a nível nacional e regional, como deputado da Nação e, em particular, na luta pela instauração da democracia pluripartidária em Cabo Verde. Fi-lo com elevado sentido da ética e da moral, com patriotismo, espírito de justiça e de solidariedade humana, mantendo-me igual a mim próprio...
Escrevo este apontamento a 13 de Janeiro de 2009, decretado Dia da Liberdade e da Democracia em Cabo Verde. Este dia encontra-me arredado da política activa, o que acontece desde há mais de 15 anos, por ter chegado à conclusão de que, apesar de apreciar a boa Política, enquanto ciência e arte de governar, não podia sentir-me realizado com a maneira de fazer política inaugurada com o despontar da chamada "II República", em 1990/11: a lógica da "destruição" e perseguição do adversário político; a tentativa ou a prática mais ou menos subtil de marginalização das pessoas em função da sua cor política; a atitude de considerar que é mau ou bom tudo o que vem da formação política adversária são "racionalidades" que não se encaixavam e continuam a não encaixar-se na minha maneira de ser e estar na vida. Daí que continue a trabalhar por Cabo Verde fora do quadro partidário, dando, porém, o meu melhor, enquanto patriota e profissional, para o progresso do povo das ilhas, que continua a querer um poema (digo, uma política) diferente para o povo das ilhas!
Bartolomeu Varela

domingo, 18 de novembro de 2007

O calcanhar de Aquiles do meu ensino primário!

A escola onde estudei o ensino primário
Ao entrar na escola primária oficial com 7 anos de idade, tinha eu já feito um percurso de dois anos de ensino particular, em S. Domingos, sob os cuidados da conhecida Mamã Mendonça, uma senhora de mil ofícios, dos quais não era seguramente menos importante o de professora particular, função que desempenhava, sem ânimo de lucro, com muito zelo e competência, empregando, com mestria, os métodos tradicionais de ensino da leitura, escrita e cálculo e, ainda que com moderação, os famosos castigos em que a palmatória, a comprida vara de marmeleiro e as orelhas de burro faziam parte do arsenal de recursos didáctico-pedagógicos…

Seria muito fácil, agora, criticar tais métodos, à luz dos hodiernos paradigmas educacionais. Mas uma coisa é certa: tais métodos resultavam! Em apenas dois anos, eu sabia ler correntemente, escrever com bela caligrafia e praticamente sem erros e calcular nas quatro operações!... Graças a esse ensino particular, os meus primeiros anos de escola primária foram praticamente um passeio!...

Só na 4ª classe é que tive de me empenhar a sério, pois que os exames de fim do ensino primário não eram propriamente uma brincadeira, mas, mais uma vez, tive sorte: se as aulas da escola oficial não eram propriamente muito proveitosas, devido às limitações do professor, já as explicações diárias do Mestre Ano Novo, homem de mil ofícios que, além da música, que o imortalizou, do teatro e da dança, que cultivou com sucesso, evidenciava as suas qualidades como professor particular.

Graças a Ano Novo, acabei sendo um bom aluno em Língua Portuguesa (Leitura e Interpretação, Gramática, Ortografia, Redacção), Aritmética e Geometria, Geografia, Ciências Naturais, História... Mas o meu Calcanhar de Aquiles era o Desenho. Não tendo esta disciplina sido valorizada pelo meu professor e nem incluída nas aulas particulares do Ano Novo (este que era, todavia, uma pessoa com conhecidas habilidades em desenho e pintura), acabei sendo um aluno sofrível neste particular.
Eu e o meu caçula, aos 5 anos (Out.2006)

Na verdade, se no exame da 4ª classe, realizado na Escola Grande da Praia, em 1966, sob os auspícios do 4º júri, a maioria das classificações obtidas foi de Muito Bom e uma delas de Bom, havia lá estampado, na prova, para minha vergonha, um Medíocre em Desenho. Confesso que até hoje sinto vergonha desse Medíocre!

E quando o digo, agora, ao meu filho, de seis anos, que já desenha como um “especialista”, ele se vangloria da sua superioridade: “sei desenhar mais do que tu!”. E é verdade: mau grado as críticas que podem fazer-se à qualidade do ensino, a escola primária de hoje tem os seus pontos fortes!...

domingo, 26 de agosto de 2007

Eu e a televisão

O televisor é, hoje, algo banal em Cabo Verde. Logo nas primeiras semanas de vida, a maioria dos bebés começa a familiarizar-se com as imagens e os sons do pequeno ecrã. Mas não era isso tão banal há quatro ou cinco décadas. O meu primeiro televisor, a preto e branco, marca Ionust (não estou certo da ortografia), adquiri-o quando, aos 28 anos, visitei a antiga Rússia Soviética. Com ele cheguei a sintonizar as emissões da TV de Hilário Brito e da TVEC (primeira estação pública de televisão de Cabo Verde). Comprei o meu primeiro televisor a cores, da marca PHILIPS, no estabelecimento comercial de Carlos Veiga (Tio), quando tinha 30 ou 31 anos! Após duas décadas, ainda funciona! Mas foi mais precoce a minha experiência como telespectador: era eu garoto, talvez de 10 anos, quando tive o ensejo de assistir, pela primeira vez, à transmissão televisiva de um dos jogos do Campeonato do Mundo de Futebol, através de um aparelho a preto e branco que o Engenheiro Hilário Brito trouxe da Praia e fez funcionar em São Domingos, no sítio de Alto Povo. Que maravilha!










Chuva engraçada

Em Cabo Verde, a falta e a irregularidade das chuvas são abundantemente descritas em páginas da História do arquipélago, que igualmente dão ...