Criado e educado, como muitos da minha geração, em ambiente familiar e social marcado por sólidos princípios da moral e religião católicas, de acordo os quais a relação sexual antes do matrimónio constituía um pecado grave, o namoro casto não era proibido, mas tolerado ou apoiado pelos padres e catequistas, pelos pais e pelos mais velhos.
Por namoro casto entendia-se uma relação de afeto em que rapazes e moças não deviam ter relações sexuais antes do casamento, pelo que, em regra, devia acontecer sem demasiada intimidade física.
Assim, o namoro entre miúdos iniciava-se com troca de cartas, bilhetes, flores, pequenas prendas, olhares ternos ou piscar de olhos, neste caso, sobretudo por moços mais afoitos.
Entre adolescentes e jovens, admitia-se alguma aproximação física entre os namorados, mas o namoro teria de acontecer com o necessário pudor e respeito para com terceiros, admitindo-se, entretanto, inocentes e púdicas trocas de carinho, como passear lado a lado, furtar rapidamente um beijinho, ficar por instantes de mãos dadas e pouco mais, pois, como acontecia quase sempre, havia por perto uma pessoa adulta encarregada de vigiar essa convivência, de modo a não passar dos limites de pudor permitidos.
- Ntoni, tra mon di Lurdes! - ordenava Nha Txika, com autoridade!
É claro que se verificavam desvios à norma, desde namoros ostensivos, com beijos e carícias em público, a propalados ou especulados casos de ato sexual, sem falar de um ou outro episódio de alegado rapto de miúdas.
- Fladu ma Djoka dja tra Joana di kaza! - informa-me o Zeka.
Mas conseguir o amor das miúdas nem sempre era fácil, pois elas receavam apanhar umas bofetadas ou chicotadas dos pais, caso anuíssem à conquista. Outrossim, os pretendentes tinham de ser bons "partidos": não bastava serem bonitos e vestirem-se bem, mas deviam ter "condições" para assumir responsabilidades futuras: terem escola, serem sérios, trabalhadores e ou filhos de boa família.
- Kuze ki bu odja na kel pe rapadu la ki ka ten undi kai mortu? - interrogava Nho Juka à sua filha Nhota.
Além disso, a arte da conquista tinha de ser bem aprendida pelos pretendentes, a fim de lograrem o "sim certo" da pretendida. Senão era um desastre, um "não claro", como aconteceu com o Kaka di Beba.
- Oh, minina, ami n-krebu txeu sima porku na lama. Ranja ku mi!
- Nau! Bai t'imbora, mos! Já ki bo e porku bai djobi n-otu kau, pamodi mi n-ka lama.
Melhor sorte tinham os que levam para a conquista mui bem estudada lição, como o Romeu, emigrante em Holanda, de férias em Cabo Verde:
- Minina Julinha, dexa-m abri ku bo. Ora ki n-odjabu, mais linda ki prinseza di Holanda, nha korason ta bati forti i nha alma ta xinti sima ki n-sta na Céu. Si bu ranja ku mi, n-ta faze-bu nha rainha.
- Djan krebu-bu sima Julieta kreba Romeu - responde-lhe Julinha, que tinha uma boa quarta classe e gostava de ler romances.
O repositório das formas de conquistar as miúdas da minha infância é vasto, desde o simples lançar de olhares à dedicação de poemas e canções, passando pela aprendizagem de inúmeras frases alegadamente infalíveis.
Mas para se chegar ao coração da pessoa amada nem sempre era preciso ou suficiente fazer uso desse ritual da conquista.
Cada miúda reagia de modo diverso às conquistas dos pretendentes e, por vezes, de forma mais ou menos discreta, elas tomavam a iniciativa, através de bilhetinhos ou recados que enviam, por portador seguro, aos eleitos dos seus corações.
Mas o que era socialmente apoiado sem rebuço era o namoro sério, com pedido de casamento. Na minha infância, ainda persistia o ritual do pedido de casamento feito aos pais da miúda por pais ou representantes da família do moço.
O tempo passa e, com ele, mudam as formas e os rituais de conquista, de compromisso e namoro. O tempo da minha infância difere do atual e não ouso dizer qual o melhor. Afinal, namorei outrora e namoro hoje. Mas, ainda assim, não seria mau trazer para o namoro dos tempos atuais o que o namoro da minha infância tinha de sobra: pudor, recato, respeito!
Praia, 4 de agosto de 2024
Bartolomeu Varela